TIRANDO DINHEIRO DO LIXO
Cooperativa dá exemplo de soluções ecológicas para problemas sociais
Fotos: Marília França
Texto: Lucianna Poliny e Victor Khodr Lobo
Foi-se o tempo em que o lixo era descartado em terrenos antiecológicos e que apenas garis eram vistos trabalhando com lixo. Hoje, ele gera renda para milhares de famílias e serve de base para se fazer muitas coisas. Um dos melhores exemplos pode ser encontrado atrás do supermercado Carrefour do Pistão Sul. Lá está localizada uma das principais comunidades de reciclagem da cidade, a Reciclo.
Formada principalmente por membros de uma mesma família, essa comunidade tornou-se cooperativa no ano passado contando com a ajuda de instituições, entre elas a Universidade Católica, que realiza projetos sociais com a comunidade.
Para sustentar as 45 famílias que vivem provisoriamente em uma invasão, debaixo de dezenas de cabos elétricos, cercadas por mato e muita terra, a solução surgiu a partir de uma necessidade gerada a partir da preocupação com a poluição das grandes cidades: a reciclagem.
A Reciclo é responsável pela coleta de lixo não só de Taguatinga, mas de cidades próximas como Águas Claras, Arniqueiras, Vicente Pires, fora o Plano Piloto. Depois de reunido, o lixo é separado e vendido para empresas responsáveis pelo processo de reciclagem. O dinheiro ganho é dividido entre as famílias e usado nas despesas e investimentos da comunidade, como remédios, alimentos. É poupado até mesmo para comprar suas futuras casas.
As ações da cooperativa não são exemplares apenas na área ecológica, mas também em âmbito social. Com o trabalho dos catadores e catadoras da cooperativa, as famílias se tornam independentes. Não se tomam mais como uma classe marginalizada. Não dependem de doações ou de ações sociais, muito menos procuram na criminalidade a forma de sobrevivência. Tampouco precisam da mão de obra das crianças da comunidade, deixando-as apenas com a obrigação de se dedicar na escola.
Ainda assim, os catadores passam por situações difíceis devido à indiferença e à desconfiança das pessoas. “Uma vez, ao entrar no supermercado Carrefour, fui seguida pelo segurança de lá, quando me cansei daquela situação constrangedora virei para ele e falei que poderia ficar calmo, pois eu não estava ali para roubar nada” disse uma catadora integrante da comunidade, que não quis revelar o nome.
Outras lembranças de preconceito e repressão ainda permanecem entaladas na garganta de muitos integrantes da comunidade. Mas a situação mudou muito desde que as famílias formaram a cooperativa. Hoje, a Reciclo se preocupa com o futuro, encontra meios de parecer mais profissional e procura uma estabilidade cada vez maior e mais segura. O primeiro sonho a ser alcançado está quase chegando: uma casa para cada família da comunidade.
Taguatinga possui outras três cooperativas de reciclagem que contam com o trabalho de pessoas humildes. Mas, diferentemente dos trabalhadores da Reciclo, os catadores não moram no local onde trabalham.
Princípios ideológicos
Viver de catar papel não é nenhuma novidade. Mas um dos diferenciais que a Reciclo cultiva está nos princípios que seus integrantes seguem.
O dinheiro ganho é dividido entre todos mas há a consciência de que para melhorar a condição da comunidade é preciso poupar para bens maiores. A cooperativa, por meio do trabalho de todos, conseguiu um caminhão para facilitar o transporte do material coletado e mantém reservas para urgências ou para conseguir comprar as casas próprias.
Além disso, as decisões são tomadas em conselhos gerais que incluem todos os integrantes da cooperativa.
Esse esquema de cooperação e ajuda mútua, em que todos trabalham juntos não só para o bem próprio mas por um objetivo maior em comum e em que todos tomam as decisões em conjunto, contrasta com as tendências individualistas presentes nas empresas e na sociedade atual.
“Eles trabalham dentro da filosofia de economia solidária”, diz a mestre
O apoio dado sobretudo por projetos do curso de Serviço Social da Universidade Católica tem fortalecido esses e outros princípios na comunidade desde o começo. É a forma para que a cooperativa se mantenha sempre correta e estável, não sendo algo que fique bonito apenas no papel. Papel, aliás, que eles coletam.
Não confunda reutilização com reciclagem
O processo de reciclagem acontece quando um produto pode voltar para o uso depois de ser transformado mantendo-se igual em todas as suas características.
Já a reutilização ou reaproveitamento consiste em utilizar um material já beneficiado em outro aproveitando apenas a sua matéria-prima, mas sem manter suas características, servindo apenas de base para outros produtos. Exemplo de reciclagem é a utilização da latinha de alumínio, que depois da reciclagem pode voltar a ser... uma latinha. Já o vidro pode ser reutilizado pois, mesmo depois de todo o processo de beneficiamento, não mantém as mesmas características como dureza e coloração.
*matéria a ser publicada no Artefato (jornal produzido na UCB)




